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Palhaçaria: O design na construção de uma exposição de artesanato


Palhaçaria: a arte de brincar
Arte desenvolvida pela LM

Autores: Lucas Fúrio Melara e Jaine Silva


Resumo:

 A presente comunicação tem como objetivo relatar, sob a perspectiva do Design, o processo de desenvolvimento de um projeto expográfico construído para salvaguardar o patrimônio de um instituto dedicado ao brincar.  O recorte trata dos objetos de artesanato que diretamente dialogam acerca das brincadeiras de infância. O projeto expográfico, considera Curadoria, Design Editorial, Design Gráfico, Design de Produto, Arquitetura, Produção Cultural, Captação e Gestão de Recursos. A seleção dos artesãos para a primeira edição se deu a partir dos nomes de Babá Santana (Manuel Iremar Santana), Benito Campos (Benito Euclides de Moura Campos), Ginga (Edilson Bezerra Noca) e Paulo Carneiro (Paulo Roberto Carneiro), que desempenham papéis significativos na preservação de tradições culturais, promoção da criatividade e inspiração para novas gerações de artesãos. A metodologia participativa do Design Social orientou o processo, assim como a Tecnologia Social da Memória que relacionou o processo de catalogação e a exibição dos 50 itens da exposição. O propósito da ação cultural com o acervo é a de prover visibilidade e fomentar futuros projetos nas áreas de Museus e Patrimônio, considerando a atuação de impacto social sustentável promovida pelo Instituto. No campo da Gestão em Design, avalia-se a atuação do designer enquanto gestor de projetos no sentido de promover o desenvolvimento social e sustentável quando em atuação junto à Cultura.

Palavras chave:   Design Social; Artesanato; Memória; Expografia

1.  Introdução


O cenário atual demanda cada vez mais que o designer assuma um papel ativo como agente de transformação social. Isso vai além da simples comunicação, informação ou desenvolvimento de artefatos, envolvendo aspectos cruciais como sustentabilidade, inovação social e projetos participativos. Os projetos sociais no campo do Design buscam propor soluções efetivas para as demandas sociais emergentes produzidas de modo colaborativo, associando-se a determinadas linguagens. 


É fundamental ressaltar que o debate sobre o aspecto social do Design ocorre ativamente em organizações e instituições acadêmicas, como especialmente aqui destaca-se ‘olhar’ a vida cotidiana e a cultura popular.. Esses espaços são considerados propícios para discutir e conscientizar urgentemente o papel do designer no presente para o futuro possível da profissão. 


Em um momento em que as fronteiras do Design se tornam difusas, a Cultura é considerada uma grande aliada. Tanto na interpretação das manifestações e expressões culturais de um povo por meio da linguagem, quanto na Produção Cultural, aqui entendida por construção de caminhos estratégicos para viabilizar manifestações e expressões, por meio das técnicas da linguagem em si, bem como projetos que popularizem a cultura e promovam a independência das comunidades envolvidas.


No universo da Cultura, quando em consonância com o Design, faz-se necessário reunir  abordagens multidisciplinares do Design, tanto específicas quanto gerais, a fim de compreender tanto o resultado gerado pela expressão cultural como também o processo de criação, desenvolvimento, viabilização e inclusive prestação de contas dessas ações.  Parte-se da premissa que os casos de projetos envolvem compras públicas e questões fiscais. Portanto, como Produção Gráfica, Design de Mobiliário e Design Editorial, tratam de questões acerca de suas respectivas linguagens, enquanto o Design Social e a Gestão em Design tratam do campo da Metodologia de Projeto, com fundamentações aplicadas.


Compreendendo a natureza da relação entre Design e Cultura, e a importância do Artesanato para a economia brasileira de base comunitária, conclui-se que seja de interesse público a promoção de políticas e projetos culturais com este ecossistema. Urge garantir a ampla participação da sociedade no alcance da Agenda 2030 proposta pela Organização das Nações Unidas, quando o Design e o Artesanato são verdadeiros protagonistas na abordagem incluindo desenvolvimento territorial sustentável como aliado dos 17 ODS. Os projetos culturais podem ser de linguagens diversas, abordando desde projetos editoriais, desenvolvimento de produtos, projetos de comunicação e identidade visual, oficinas, programas de partilha de conteúdos e os projetos expográficos, foco da presente pesquisa que ‘por natureza’ reúne diversas outras disciplinas rumo à viabilidade.  


Uma das principais linguagens culturais de um povo é o Artesanato. O Artesanato surge como uma forma de manifestação artística que transcende aspectos sociais e de ancestralidade.  Incorpora a fusão entre tradição e contemporaneidade, transmissão de conhecimento entre gerações e relevância econômica de alcance nacional. A participação do Artesanato na formação cultural é inquestionável, conectando-se intimamente à subsistência de tradições e desempenhando um papel crucial na consolidação da identidade cultural de um povo. Inclusive, as primeiras expressões artesanais no Brasil, como a produção de cestarias, ferramentas, cerâmicas, pinturas e adornos por povos indígenas, continuam a ser praticadas até os dias de hoje.


No entanto, ao analisar a importância patrimonial do Artesanato, surge um desafio: muitas vezes, ele é compreendido exclusivamente como uma atividade cultural. Isso representa um problema, pois o Artesanato não apenas é uma fonte de renda para milhões de pessoas, reconhecido por sua relevância sociocultural, mas também impulsiona a economia, influenciando setores como o turismo e o próprio Design. Assim, iniciativas e políticas públicas frequentemente concentram-se em promover a relevância do Artesanato no cenário cultural. Embora o enaltecimento cultural seja válido, é crucial debater e considerar que o Artesanato transcende a fronteira entre Cultura e Economia, sendo uma atividade intrinsecamente ligada a ambos os universos, demandando uma valorização das duas perspectivas. 


No contexto nacional, essas reflexões materializam-se em diferentes casos práticos, sendo desafiador abranger todas as realidades em um país de dimensões continentais como o Brasil. Dos 5.568 municípios, mais de 3.700 têm o Artesanato como parte integrante da economia, destacando a amplitude da produção artesanal e as implicações, como a informalidade. Atualmente, aproximadamente 170 mil artesãos estão cadastrados no Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (Sicab). Contudo, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) em 2019 indicou cerca de 10 milhões de artesãos no Brasil, ressaltando que, apesar da regulamentação pela Lei nº 13.180 de 2015, a maioria permanece na informalidade.


O projeto "Estruturação do Sistema de Gestão do Artesanato Brasileiro: Diagnóstico e Planejamento Estratégico," do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), surge para atender a essa necessidade. O objetivo é o de apoiar, não apenas a relevância sociocultural, mas compreender a importância econômica do Artesanato, que movimenta anualmente 50 bilhões de reais. A partir do levantamento atualizado dos desafios enfrentados, o Programa visa aprimorar ou criar políticas públicas de forma colaborativa, envolvendo instituições governamentais, de ensino e pesquisa, além de entidades e representantes do artesanato, contemplando artesãos de todas as regiões do Brasil.

A relação entre artesãos, artesanato e brincadeiras infantis revela uma interconexão profunda entre tradição cultural, transmissão de conhecimento e preservação do Patrimônio Imaterial. Como exemplo, a tradição artesanal do miriti atravessa gerações em Abaetetuba, no Pará, onde a produção dos brinquedos é uma atividade familiar. Desde pequenas, as crianças frequentam oficinas, aprendendo a fazer seus próprios brinquedos com pais, avós e tios, verdadeiros mestres de ofício. Destaca-se que essa relação familiar permite a transmissão do conhecimento, mantendo viva a tradição cultural no Município. O envolvimento das crianças que brincam com brinquedos artesanais não apenas preserva a tradição, mas também reforça a importância da Cultura nas identidades locais

Os brinquedos de miriti, embora de simples confecção, são ricos em significados. Retratam a fauna regional, casas, embarcações e, ao mesmo tempo, evoluem para representar objetos e situações contemporâneas. Essa capacidade de reinvenção, aliada à preservação das raízes culturais, faz com que a tradição do miriti permaneça relevante mesmo diante da presença predominante de brinquedos industrializados. A brincadeira não apenas as conecta com a tradição familiar, mas também contribui para a preservação do brinquedo de miriti como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado do Pará.


Este exemplo é comum em muitas áreas do Brasil, catalogadas diretamente pela Artesol - Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro.  A plataforma mapeia e articula a cadeia produtiva do Artesanato brasileiro, com histórias, imagens e informações acerca dos trabalhos das associações, mestres, artesãos, lojistas, programas de fomento e instituições culturais que atuam nesse universo.  É possível acessar os membros da Rede georreferenciados no mapa do Brasil pesquisando por categorias, técnicas e Estado.


Ao apresentar os objetos, a exposição reconhece e valoriza suas contribuições para a Cultura e a economia do país. Isso, por sua vez, pode incentivar a preservação dessas habilidades e atrair jovens talentos para o Artesanato brasileiro, trabalho este realizado há anos pelo Instituto que abriga um grande acervo. A organização, uma organização sem fins lucrativos, surge como resposta à carência de oportunidades e espaços para o brincar, visando resgatar o lúdico e promover atividades educacionais, exposições e oficinas itinerantes.  Destaca-se a fabricação manual dos brinquedos e a valorização dos artistas por trás dessas criações, ao mesmo tempo em que impulsiona essa atividade econômica.


Para a curadoria da exposição, a Tecnologia Social da Memória foi utilizada em dois momentos. Entrevistas de memória oral acerca do acervo foram realizadas, identificando os artesãos principais nas falas dos representantes e parceiros do Instituto. Além disso, foram realizadas entrevistas com os representantes acerca de cada artesão selecionado de modo individual, bem como utilizados métodos e ferramentas específicas a fim de traçar a trajetória desses artesãos.  A título de exemplo, foram produzidos vídeos e realizadas entrevistas com os quatro artesãos selecionados. 


Babá Santana, nascido Manuel Iremar Santana em 1958, é um artesão originário de Santa Luzia, PB. Sua trajetória é marcada pelo autodidatismo e uma paixão inegável pela Arte. Inicialmente envolvido em diversas áreas da decoração e cenografia, Babá Santana, desde 2002, concentra-se quase exclusivamente na confecção de bonecos de papel machê. Sua destreza e notória maestria transformaram cabaças em palhaços, bailarinas e trapezistas, refletindo o colorido e a vitalidade do Circo em sua Arte. Sua contribuição é uma representação da arte popular urbana, enriquecendo o cenário cultural brasileiro. 


Benito Campos pode ser considerado o guardião do folclore regional. Benito Campos, conhecido como Benito Euclides de Moura Campos, nasceu em São Luís do Paraitinga, SP, em 1952. Apesar de ter começado sua carreira como administrador de empresas, sua paixão pelo folclore regional o levou a se tornar um artesão dedicado. Suas criações, como os bonecões João Paulino e Maria Angu, bem como máscaras e objetos para festas tradicionais, resgatam as ricas tradições culturais de São Luís do Paraitinga. Benito é um contador de "causos" e um defensor incansável da necessidade de reinventar e preservar as manifestações culturais regionais.


Ginga tem sua criatividade vinda da reciclagem. Edilson Bezerra Noca, conhecido como Ginga, nasceu em 1956 em Pedra Branca, CE. Seu trabalho é uma ode à criatividade e à reciclagem. Utilizando materiais descartáveis, como lâmpadas queimadas e latinhas de refrigerantes, Ginga cria surpreendentes personagens populares. Sua obra não apenas destaca a importância da sustentabilidade, mas também demonstra a criatividade sem limites presente no artesanato brasileiro.


Já Paulo Carneiro, cria sua arte única a partir do descartável. Paulo Carneiro, nascido em 1949 em Olinda, PE, é um artesão cujo trabalho transcende a definição convencional de Artesanato. Sua obra singular utiliza materiais descartáveis, como garrafas PET, para criar personagens populares. O compromisso com a cultura regional e a coerência narrativa fazem dele um dos artesãos mais notáveis do Brasil. Seu trabalho também destaca a importância da valorização das tradições locais.


A realização de uma exposição dedicada a brinquedos feitos por artesãos é justificada por várias razões de relevância cultural e social, e especialmente como uma oportunidade educativa e inspiradora. Essa educação cultural enriquece a compreensão das tradições e identidades regionais do Brasil. A exposição serve como um estímulo à criatividade e à inovação na comunidade artesanal com a intenção de manter viva a tradição artesanal brasileira, enquanto promove o desenvolvimento de novos produtos e oportunidades de negócios. Além disso, a exposição serve como uma plataforma de destaque para os artesãos brasileiros. Coloca-se em cena os artesãos enquanto guardiões do conhecimento tradicional, habilidades e técnicas transmitidas ao longo de gerações. 


2.-0 Referencial teórico


A Memória é uma ferramenta essencial para um projeto de Design Social e Economia Criativa, pois permite reconhecer e valorizar a história e as tradições locais. Os relatos de memória oral são especialmente importantes, pois permitem resgatar histórias, saberes e práticas que muitas vezes são esquecidos ou deixados de lado. 


Ao dar voz às pessoas que vivenciaram e conhecem a história da região, é possível compreender melhor a cultura local e seus valores, além de identificar oportunidades de desenvolvimento econômico e social que estejam em sintonia com a identidade e as necessidades da comunidade. 


A Memória Oral também pode ser utilizada para transmitir conhecimentos e saberes de geração em geração, contribuindo para a preservação das tradições e o fortalecimento da identidade cultural da região. Um levantamento etnográfico é necessário para um projeto de Design Social e Economia Criativa porque permite compreender as práticas culturais, sociais e econômicas da comunidade local, identificando suas necessidades e potencialidades. 

A partir desse levantamento, é possível criar soluções que sejam contextualizadas e respeitem a identidade cultural da região, além de serem mais efetivas e inclusivas. 


A Tecnologia Social da Memória - TSM - proposta pelo Museu da Pessoa (2009) é uma metodologia de coleta, preservação e disseminação de histórias de vida e memórias que busca valorizar a experiência e a identidade de pessoas e comunidades. Essa Tecnologia Social tem como objetivo promover a participação cidadã, a inclusão social e a valorização da diversidade cultural. Consiste em uma série de etapas que envolvem a coleta de depoimentos orais, transcrição, catalogação, digitalização e publicação dessas histórias, de forma a torná-las acessíveis a um amplo público. 


Por meio da TSM, o Museu da Pessoa busca preservar a memória de pessoas comuns, suas experiências, lutas e conquistas, que muitas vezes são esquecidas pela história oficial. A metodologia permite que essas histórias sejam compartilhadas, enriquecendo a compreensão sobre a diversidade humana e contribuindo para a construção de uma sociedade mais inclusiva e democrática. A TSM é importante para o Design Ssocial e a Economia Criativa por ajudar a valorizar a história e a cultura de comunidades e grupos sociais que muitas vezes são negligenciados ou invisibilizados pela sociedade em geral.


Ao registrar e compartilhar histórias e memórias, ocorre a promoção de maior compreensão e apreciação dessas culturas e, consequentemente, a valorização do patrimônio cultural imaterial de comunidades. Também, a TSM promove a inclusão social ao dar voz e visibilidade a grupos sociais marginalizados ou em situação de vulnerabilidade, contribuindo para a promoção da cidadania e para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. 


Por fim, a Tecnologia Social da Memória pode ser uma ferramenta importante para a Economia Criativa. Ao valorizar o Patrimônio Cultural Imaterial de uma comunidade ou região, é possível criar produtos e serviços que estejam relacionados a essa cultura, gerando empregos e renda para a população local. Além disso, a preservação e divulgação da Memória e da Cultura podem ser um fator de atração turística, contribuindo para o desenvolvimento econômico da região.


Lina Bo Bardi, uma das mais importantes artistas, arquitetas e curadoras de arte brasileiras do século XX, acreditava que uma exposição de arte tinha um papel fundamental na sociedade. Para Bo Bardi, uma exposição não era apenas uma oportunidade para mostrar obras de arte, mas um meio para engajar a sociedade e provocar mudanças. 


Segundo a autora: 


A exposição é um instrumento de trabalho para se obter um fim. O fim é sempre um problema cultural, social e político. O instrumento é a exposição. (...) A exposição deve ser um meio, um instrumento para se obter um fim socialmente útil e, portanto, político. (BO BARDI: 1987).


No campo da sensibilização, as exposições se propõem a mobilizar as pessoas para questões sociais e ambientais críticas. Através das exposições, as pessoas podem ser incluídas em projetos comunitários e na Economia Criativa. A participação em atividades artísticas pode promover a inclusão social e oferecer oportunidades para o desenvolvimento de habilidades e envolvimento com sua comunidade.


Uma exposição de Artesanato se propõe a atrair investimentos e gerar renda por meio da criatividade. A Palhaçaria, uma exposição de artesanato, especialmente popular cultural e autoral, impulsiona o comércio local, gerando renda para a localidade, representada por artistas e toda a cadeia de produtores.


A exposição é a consolidação de uma série de atividades criativas e culturais que geram renda para a comunidade local e se propõe a orientar novos projetos, como ações extensionistas com parceiros locais, orientadas pelo Design, de modo contínuo e perene, mantendo as ações culturais e narrativas da região como fonte de transformação social. 


3.0 Desenvolvimento


Por essência, um projeto expográfico trata desde a ideação até a desmontagem de uma exposição. Ainda que não exista uma forma regulamentada para a realização de uma exposição, critérios técnicos são adotados quando o objeto em si é um projeto que recebe apoio ou patrocínio de um ente federativo ou organização auditável. Neste campo, para um bom projeto expográfico, considera-se a necessidade de uma equipe multidisciplinar, para que sejam reunidas essencialmente as disciplinas de Curadoria, Design Editorial, Design Gráfico, Design de Produto, Arquitetura, Cenografia, Produção Cultural, Captação e Gestão de Recursos. Portanto, compreende-se um projeto expográfico como um tipo de projeto que demanda planejamento participativo, tendo em vista a formação de equipes.


Uma característica deste tipo de projeto, considera incertezas quanto à algumas diretrizes. Essas incertezas referem-se ao processo de ideação e planejamento de um projeto expográfico. Nessa etapa, é necessário demarcar alguns pontos de grande importância.  Tais como: orçamento, local e ítens a serem exibidos que possuam relação direta com a expografia. No entanto, nem sempre todos já estão definidos a priori, quando da redação projetual e planilhas orçamentárias. Este é mais um ponto que reforça a necessidade do planejamento participativo e da inclusão de princípios do Design Social, tendo em vista que todos os membros da equipe devem contribuir ativamente para a resolução dessas questões. 


Utilizando metodologias, como, por exemplo,  o Duplo Diamante, que consiste na geração de possibilidades alternando-as com o encaminhamento de soluções pragmáticas, em um processo cíclico, o planejamento participativo foi imprescindível para a definição da primeira diretriz do projeto. O recorte foi orientado pela obra de quatro artesãos específicos que tiveram suas trajetórias pesquisadas para a exposição: Babá Santana (Manuel Iremar Santana), Benito Campos (Benito Euclides de Moura Campos), Ginga (Edilson Bezerra Noca) and Paulo Carneiro (Paulo Roberto Carneiro).


Ao selecionar os artesãos que fariam parte da exposição, deu-se início à seleção dos ítens que seriam expostos. Neste momento, é importante ressaltar que os projetos expográficos em construção, que não possuem definição de local, devem compreender o resultado do pré-projeto, que inclui até a previsão orçamentária para execução.  Deve incluir um valor de locação para o espaço, calculado com base nos parâmetros de tamanho dos itens que serão exibidos, que vão determinar uma área expositiva essencial, considerando a acessibilidade no acesso e espaço entre os ítens como um fator primordial para essa conta. 


No caso desse projeto, um local foi definido e tomado como diretriz para o projeto. Enquanto a investigação do acervo e a seleção da curadoria tomavam seu início, um espaço de aproximadamente 40m² se fez disponível, localizado no centro de São Paulo, SP, cedido por um empreendedor com trajetória associada à Cultura. Após trâmites para garantir a acessibilidade total do espaço, o projeto expográfico articulou simultaneamente a seleção das obras com a ocupação do espaço, garantindo uma proporcionalidade justa entre os artistas, como também o devido destaque às peças. 


Na etapa de ocupação do espaço, com a planta-baixa e os ítens selecionados na perspectiva do projeto, o mobiliário, os materiais, a identidade visual e a comunicação foram pensados de modo intrínseco.  As referências foram algumas das obras da exposição e o título Palhaçaria, para que o resultado estabelecesse um diálogo coeso com os visitantes. Por se tratar de uma exposição de Artesanato, a produção de todos os materiais considerou as manualidades, desde os croquis iniciais da montagem, o desenvolvimento do logotipo, da tipografia, das padronagens da marca e a marcenaria. 


Após diversas sessões de desenvolvimento, o projeto expográfico amadureceu, contando com renderizações tridimensionais para uma perspectiva ampla, gerando uma planilha financeira de captação e execução de recursos. Foram definidos 3 meses para a produção do pré-projeto, que previu a contratação de serviços e insumos, como a Curadoria, Produção Executiva, Direção Criativa, Arquitetura, Produção Gráfica, manutenção do acervo e digitalização das obras. Já a execução, definida em 12 meses, previu a contratação de insumos e serviços para audiodescrição, site, adesivos, etiquetas, cenografia, embalagens de transporte, iluminação, montagem e desmontagem, eletricista, manutenção e a equipe, agora responsável pela manutenção das visitas na exposição por meio de lançamentos, oficinas e palestras na programação. A pós-produção, determinada em até 30 dias após o fim da desmontagem da exposição, se tornou a etapa responsável pela prestação de contas de toda a ação.


Sobre a viabilização financeira, dado o valor representativo do exercício, foi optado o caminho das leis de incentivo fiscal, tendo a possibilidade de empresas patrocinarem a ação por meio da renúncia fiscal de impostos como o ICMS. Neste caso, o instrumento utilizado foi o ProAC - Programa de Ação Cultural via ICMS da Secretaria de Cultura, Economia e Indústrias Criativas do Estado de São Paulo. O ProAC ICMS constitui uma modalidade do programa de fomento paulista, operando por meio de patrocínios incentivados e renúncia fiscal. Para acessar os recursos disponíveis, artistas, grupos ou produtores devem submeter projetos à análise de uma comissão especializada, que avalia critérios como relevância artística e adequação da proposta orçamentária.


Com a aprovação do projeto, o proponente pode solicitar patrocínio a empresas sediadas em São Paulo. Essas empresas, ao patrocinarem projetos culturais, recebem descontos no imposto devido, configurando-se como um estímulo ao apoio à cultura. Qualquer empresa que seja contribuinte deste imposto e esteja em dia com suas obrigações fiscais pode se tornar patrocinadora por meio do ProAC ICMS.


Visando assegurar uma distribuição equitativa dos recursos, a legislação do ProAC ICMS estabelece limites máximos de captação para cada tipo de projeto, bem como restringe a quantidade de projetos que um proponente pode apresentar. Para as empresas, há também um teto máximo de valor a ser patrocinado, variando de acordo com o volume de impostos a recolher.


Através desse mecanismo de incentivos fiscais, projetos previamente aprovados pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa têm a autorização para captar patrocínios junto a empresas, que, por sua vez, podem deduzir o valor desse investimento do ICMS devido. Essa dinâmica cria uma sinergia entre setores cultural e empresarial, promovendo o desenvolvimento cultural e artístico no estado de São Paulo.


4.0 Resultados


O projeto proposto foi reconhecido na a Lei Federal Nº 8.313, de 23 de Dezembro de 1991 de Incentivo à Cultura, especialmente no artigo segundo de fomento à produção cultural e artística, mediante a realização de exposições, festivais de arte, espetáculos de artes cênicas, de música e de folclore; e realização de exposições, festivais de arte e espetáculos de artes cênicas ou congêneres.  No artigo terceiro da preservação e difusão do patrimônio artístico, cultural e histórico, mediante a proteção do folclore, do artesanato e das tradições populares nacionais; e no artigo quarto do estímulo ao conhecimento dos bens e valores culturais, mediante a distribuição gratuita e pública de ingressos para espetáculos culturais e artísticos; e levantamentos, estudos e pesquisas na área da cultura e da arte e de seus vários segmentos.


A planilha orçamentária final para o início do projeto foi criada por meio de muitos trabalhos de planejamento participativo, prevendo um detalhamento minucioso. No entanto, essa planilha pode sofrer alterações e ajustes de acordo com eventos do projeto, tendo em vista sua longa duração de execução e a quantidade de variáveis envolvidas em uma exposição, considerando-a como um evento de ampla recorrência. 


Compreendendo que a programação de exposições sempre possuem grande visitação na abertura, como também no encerramento, estratégias de conteúdo para a programação foram pensadas, assim como fazem diversas instituições que trabalham com a proposta de museu vivo, como é o caso do Museu do Pontal no Rio de Janeiro. Esses conteúdos são oficinas realizadas na própria exposição pelos artesãos que nela estão presentes, para diversas idades, trazendo a proximidade e o protagonismo dos artesãos para a cena. 


Os materiais obtidos das entrevistas e exercícios de Memória Oral foram de grande importância para a compreensão da totalidade da exposição, como também ao universo que cada objeto é, dialogando tanto com disciplinas técnicas do design como as disciplinas de metodologia de projeto. O papel do designer nessa situação se deu tanto nas áreas técnicas de diagramação, produção gráfica, cenografia e mobiliário, gerando resultados de forma participativa.  A atuação como um facilitador da conexão entre diversas disciplinas a fim de gerar um projeto coeso orientado pela vocação dessa determinada comunidade, tem como resultado um projeto de Design fruto de um exercício coletivo e participativo, reunindo potências distintas para a possibilidade da ação.


O protagonismo compartilhado por todos foi fundamental para o projeto Palhaçaria, empoderando todos os membros como ‘donos do projeto’ a fim de lutarem por sua existência, já que todos partiram de um mesmo objetivo de promover as histórias presentes no acervo do instituto e do Artesanato brasileiro. 


5.0 Referências


BAXTER. M. (2000). Projeto do Produto: Guia prático para o design de novos produtos. Brasil: Edgard Blücher.

BHABHA, H. K. (1998).  O Local da Cultura. Brasil: Editora UFMG.

BOMFIM, G. (1999). Algumas considerações sobre teoria e pedagogia do design In: Estudos em Design. 7. Brasil: Aend-BR.

BONSIEPE, G. (2011). Design, Cultura e Sociedade. Brasil: Edgar Blucher, 2011. 

BORGES, A. (2009). Design Brasileiro Hoje: Fronteiras. Brasil: MAM-SP

__________________. (2011). Design + Artesanato: o caminho brasileiro. Brasil: Editora Terceiro Nome

MANZINI, É. (2015). Design when everybody designs: an introduction to design for social innovation. EUA: The MIT Press.


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