Design e Cotidiano: o Brasil em objetos no Museu do Ipiranga
- Lucas Melara
- há 4 dias
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No sábado, 12 de julho, o Museu do Ipiranga recebeu o lançamento do catálogo da exposição Design e Cotidiano na Coleção Azevedo Moura, realizada no espaço de mostras temporárias da instituição. A mesa de abertura contou com a presença de nomes fundamentais para o projeto: Adélia Borges, curadora da mostra; Tina e Calito de Azevedo Moura, colecionadores e responsáveis pelo acervo; Lui Lo Pumo, arquiteta da expografia; David Ribeiro e Vania Carvalho, do Núcleo de Exposições Temporárias; e Denise Peixoto, responsável pela supervisão educativa e museográfica. O encontro marcou um momento relevante na trajetória recente do Museu, que consolida sua abertura para novas linguagens da cultura material.
A mostra reúne aproximadamente 300 objetos do cotidiano brasileiro, produzidos entre as décadas de 1930 e 2020. São itens utilitários como bules, brinquedos, rádios portáteis, cadeiras, garrafas térmicas, espremedores e eletrodomésticos que compuseram a paisagem doméstica de várias gerações. A abordagem curatorial não se orienta por critérios de autoria, inovação ou assinatura, mas por relações de uso, permanência e disseminação cultural. Esses objetos, em sua maior parte fabricados em larga escala, revelam decisões projetuais que estruturaram hábitos e comportamentos sociais.
A curadoria de Adélia Borges parte de uma hipótese precisa: o design brasileiro pode ser analisado também a partir de seus objetos anônimos, funcionais e amplamente distribuídos. A seleção propõe núcleos temáticos que refletem atividades recorrentes na experiência urbana e doméstica — preparar alimentos, brincar, descansar, vestir, limpar, armazenar, consertar. A exposição estrutura essas ações em torno daquilo que permanece nos gestos, nas formas e nos materiais. Com isso, o público encontra no percurso peças que remetem diretamente a suas experiências pessoais, despertando memórias que não dependem de discurso, mas de identificação sensível.
A arquitetura expositiva, desenvolvida por Lui Lo Pumo, adota uma estratégia de contenção visual e espacial. O percurso evita sobreposições e excesso de informações, estabelecendo uma disposição precisa que privilegia a observação direta dos objetos. A opção por uma escala que respeita o olhar do visitante reforça a proposta curatorial: aproximar os objetos do tempo presente, evitando que o distanciamento museográfico os transforme em peças fetichizadas. A escolha de materiais neutros, iluminação pontual e superfícies contínuas contribui para a construção de uma ambiência silenciosa e contemplativa.
A Coleção Azevedo Moura vem sendo formada há mais de 40 anos. Tina e Calito reuniram os objetos com base em critérios que ultrapassam a raridade ou o valor de mercado. O foco está na observação atenta do desenho industrial cotidiano, presente nas feiras, lojas populares, comércios de bairro e grandes magazines. A coleção funciona como documento etnográfico e, ao mesmo tempo, como base para o estudo de padrões estéticos, ciclos produtivos, tecnologias acessíveis e modulações culturais. Esse acervo, articulado pela curadoria, se transforma em narrativa visual sobre práticas de consumo, usos sociais e dinâmicas econômicas no Brasil urbano.
A inserção de obras contemporâneas no percurso — de artistas como Jac Leirner, Iran do Espírito Santo, Marilá Dardot, Alexandre Sequeira e Nazareth Pacheco — amplia o campo de leitura da exposição. Essas obras não buscam tematizar os objetos utilitários, mas compartilham com eles preocupações relacionadas à repetição, à função, à serialidade e à memória. A aproximação entre arte e design cotidiano estabelece conexões que desestabilizam hierarquias tradicionais entre linguagens, propondo outras formas de interpretar o que se entende como produção cultural.
A participação de artistas visuais também permite que a mostra dialogue com questões contemporâneas sobre autoria, originalidade, escala e circulação. As obras não funcionam como ponto de contraste, mas como extensão daquilo que os objetos sugerem: tensões entre valor de uso e valor simbólico, entre memória privada e imaginação coletiva. A justaposição de obras e utensílios propõe uma leitura transversal da cultura material brasileira, em que a arte participa das mesmas estratégias de comunicação, materialidade e registro.
O catálogo da exposição, lançado durante o evento, registra os objetos em fotografias frontais, sem manipulação visual, com fundo neutro e perspectiva técnica. Os textos críticos aprofundam a leitura curatorial sem didatismo. O conjunto editorial privilegia a análise estrutural dos objetos, oferecendo repertório interpretativo sobre material, forma, função e contexto. Ao lado disso, o catálogo valoriza o gesto de colecionar como prática de pesquisa e contribuição para a historiografia do design.
A supervisão educativa, liderada por Denise Peixoto, propõe atividades e mediações voltadas para públicos diversos, com estímulo ao reconhecimento e à construção de repertórios afetivos. Os materiais de apoio e as ações com escolas e grupos organizados foram elaborados com base em metodologias participativas, que consideram a memória dos visitantes como componente central da experiência museológica. Esse trabalho amplia o impacto da exposição ao articular mediação cultural e formação crítica de público.
A mostra Design e Cotidiano na Coleção Azevedo Moura permanece em cartaz até dezembro de 2025 no Museu do Ipiranga. Com entrada gratuita, a exposição afirma o cotidiano como campo legítimo de estudo e reflexão sobre o design. O projeto convida à observação do que está presente em nossas rotinas, mas raramente é formalizado como objeto de análise. O que se propõe ali não é apenas um recorte sobre a história do design brasileiro, mas uma metodologia de leitura sensível da cultura material do país.