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3 Perguntas: Gisela Solymos - O empreendedorismo social como catalisador de mudanças

Gisela Solymos é graduada em Psicologia pela Universidade de São Paulo, possui mestrado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo e doutorado em Ciências pelo Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica pela Universidade Federal de São Paulo.

Gisela também é empreendedora social e foi Gerente Geral do CREN (Centro de Recuperação e Educação Nutricional) até 2017 e hoje é Coordenadora de Inclusão Produtiva da Unidade de Políticas Públicas e Relações Institucionais no SEBRAE-SP.

Eleita Empreendedora Social 2011 pela Schwab Foundation, e empreendedora social 2012 pela Ernest & Young; fellow Ashoka 2012, integrou o Grupo de Estudos Nutrição e Pobreza do Insituto de Estudos Avançados da USP (2003-2017).

Gisela Solymos - Fonte: www.cren.org.br

O 3 perguntas hoje é com a Gisela.


(1) Como as práticas de inclusão produtiva contemplam os ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável)?


Os ODS são parte da Agenda 2030 proposta pela ONU para explicar de forma simples para o mundo que existem determinados temas que precisamos tratar, fazendo um call to action (chamada para ação) e definindo uma data limite, sabendo que o não cumprimento deste acordo acarreta consequências globais. Como o próprio nome diz, "desenvolvimento sustentável" considera não apenas as pessoas, mas também o meio ambiente.

Inclusão produtiva consiste em disparar processos que permitam pessoas a terem trabalho e renda de maneira digna e estável.

Aprofundando este conceito, um trabalho digno considera o valor individual e as habilidades do trabalhador, alinhando com suas necessidades como a geração de renda e contribuindo de maneira significativa o ambiente onde ela está inserida.

Isso traz o tema não somente para o valor do trabalho para a pessoa mas também para o bem comum, o que relaciona esta inclusão a sustentabilidade, contribuindo para a preservação de recursos, promoção da saúde ou outros insumos.

Resumindo, os ODS traduzem para uma linguagem pragmática e operativa como promover o bem comum. A inclusão produtiva depende do acesso à educação, saúde, e outros pilares contemplados por estes objetivos. Isso os coloca tanto como condição para o acesso ao trabalho e renda de maneira digna e estável como também a forma como a pessoa trabalha contribui para que os ODS sejam cumpridos.

Fonte: cren.org.br

(2) Uma das recomendações do relatório "Getting from crisis to systems change: Advice for leaders In the time of COVID” lançado pela Catalyst 2030 em Julho deste ano é a aproximação entre as grandes instituições, governos e os empreendedores sociais. Por que o setor de impacto social tem se consolidado como fontes de soluções para problemas sociais?


Ao assistir o filme "Quem se importa" da cineasta Mara Mourão, você pode ver que uma característica comum dentro deste setor é alguma situação durante a vida, seja ela coincidência ou experiência pessoal (em geral é uma combinação entre as duas) que gera um desejo de mudança ligado a uma necessidade real.

O empreendedor social é aquele que está apaixonadamente e comprometidamente engajado com essa necessidade, tomando uma decisão pessoal por um trabalho cujo o fim não é o próprio bem do trabalho.

É o trabalho pelo bem, uma causa que faz parte dele, sempre comprometido com as necessidades de um grupo específico, como por exemplo crianças hospitalizadas ou portadoras de alguma deficiência. Tocado por essa necessidade, ele se engaja por inteiro, comprometido com a realidade que ele está enfrentando.

A qualidade do empreendedor social está no seu trabalho estar sempre ligado à necessidade que ele está respondendo e a totalidade da realidade que ele está enfrentando, respondendo da melhor forma possível e buscando a melhor solução.

É uma pessoa criativa, que de fato traz soluções de qualidade, contribuindo de formas que muitas vezes os governos e indústrias não possuem a oportunidade de fazê-lo por diversos motivos, seja a obrigação junto aos acionistas e a garantia do retorno financeiro do negócio ou as limitações de tempo e outras constrições e questões políticas. Esses fatores, contudo, não impedem este perfil de pessoa de trazer mudanças, mesmo quando estão inseridos em um meio que as dificulte.

O Catalyst 2030 almeja acelerar o alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Ele nasceu de uma rede global de empreendedores sociais com o intuito de catalisar as mudanças promovidas por eles mesmos, analisando maneiras de acelerar este processo. A experiência mostra que isso se faz colocando-se juntos com outros parceiros, incluindo a indústria e os governos.

Catalyst 2030 - Fonte: catalyst2030.net

Como os empreendedores sociais trouxeram soluções comprovadamente adequadas e as indústrias e governos são aqueles com capacidade de entregá-las - a indústria por possuir grande poder e capital financeiro e portanto grande capacidade de realização e os governos por terem poder local e responderem por muitas dessas necessidades - quando existe essa aproximação a qualidade da entrega aumenta para ambos os casos Um exemplo são os vários empreendedores que trabalham com a economia circular, trazendo ideias altamente sustentáveis também economicamente. Se grandes indústrias que produzem muito lixo juntam-se a estes empreendedores e incorporam as práticas propostas, inclusive melhorando-as, o resultado seria uma grande diminuição dos danos que uma produção deste porte causa ao meio ambiente.

Outro exemplo é uma empresa que pensando no bem estar dos seus funcionários contrata os serviços do CREN para melhorar a saúde nutricional dos seus colaboradores e dos seus filhos através do programa de prevenção de subnutrição e obesidade em massa. Até mesmo se os governos adotassem esse modelo de uma forma sistemática e responsável sem as vicissitudes dos altos e baixos de um governo que entra e que sai, os resultados já começariam a ser vistos nos primeiros anos de implantação e em 10 anos teríamos toda uma geração transformada, com a diminuição das incidência das doenças crônicas não transmissíveis que estão entre as maiores causas de morte no mundo.


(3) Como foi para você o processo de criação do CREN? Quais dicas você daria para alguém que deseja iniciar sua jornada no empreendedorismo social?

Centro de Recuperação e Educação Nutricional (CREN) - Fonte: www.cren.org.br

O processo de criação do CREN não foi planejado por nenhuma das pessoas envolvidas, ele foi um processo de responder à realidade. Começou com a Ana Lydia, co-fundadora e professora pesquisadora de desnutrição infantil. Após sua graduação em ciências biológicas notou a gravidade do problema da desnutrição infantil e decidiu estudá-lo na Inglaterra. Quando voltou entrou na antiga Escola Paulista de Medicina Universidade da Federal de São Paulo e como professora de fisiologia e foi trabalhar junto a uma docente pediatra que atuava na medicina preventiva e que também estudava desnutrição infantil. Juntas montaram um projeto para construir um Centro de Recuperação Nutricional na zona leste de São Paulo em São Mateus.

Ana Lydia Sawaya - Fonte: cren.org.br

Elas também estavam realizando uma pesquisa sobre a prevalência de crianças desnutridas em favelas em São Paulo, especialmente aquelas em torno universidade, por isso precisavam contratar pesquisadores de campo utilizando os recursos do financiamento que conseguiram junto à FINEP. Eu era recém formada e em busca de ser psicóloga atuando na dificuldade de aprendizagem em crianças quando elas me ofereceram um trabalho. Como era durante meio período eu aceitei o convite e integrei um time de três pessoas: eu, uma enfermeira e uma assistente social. Nos três faríamos a pesquisa de campo nas favelas.

Durante essa pesquisa desenvolvemos um método de intervenção em saúde e nutrição que logo se tornou um projeto de extensão universitária da Escola Paulista, chamado Projeto Favela. Nele estavam alunos de graduação e pós-graduação em nutrição. Enquanto isso, o projeto entrou com um pedido de recurso internacional junto a uma entidade italiana para financiar a construção do centro de recuperação na zona leste. Com a chegada deste recurso em 1990, foi proposto um projeto de um convênio com a Prefeitura de São Paulo, que forneceria o terreno do centro recuperação e também a construção de um segundo centro de especialidades para dar suporte às atividades.

Fonte: https://www.cren.org.br/en/2016/05/19/cren-innovation-summit/

Quando o dinheiro ficou disponível, a prefeitura propôs para a ONG italiana que o repasse fosse feito diretamente a ela, que então faria a construção sem o intermédio da instituição. Como a ONG não concordou, ficamos com o recurso para a construção mas sem um terreno, ao mesmo tempo que seguíamos com o trabalho de pesquisa e intervenção. Foi quando conversamos com um padre que também realizava trabalhos nos locais onde estávamos sobre a possibilidade dele conhecer algum terreno para a construção que ele nos cedeu um para o projeto.

O motivo de eu estar contando tudo isso é que na verdade, o empreendedorismo social não é uma carreira. Você não acorda um dia e decide ser empreendedor social. O empreendedorismo social é a paixão por resolver um problema, e é uma paixão compartilhada por mais de uma pessoa. Não é um indivíduo fazendo tudo sozinho, é um grupo que compartilha esse desejo de responder a uma necessidade, cada um contribuindo com a sua característica. No nosso caso, as duas pessoas que estavam a frente dessa história eram a professora Ana Lydia e a professora Dirce. Depois, a professora Ana Lydia seguiu coordenando o CREN e a professora Dirce com o Projeto Favela, ambos juntos à Universidade, e cada um contribuía com o que tinha. Quando a construção do CREN foi concluída, como a parceria com a prefeitura não deu certo, a ONG italiana solicitou que a universidade estabelecesse junto ao CREN uma parceria de modo a dar sustentabilidade ao projeto eu fui convidada a assumir a coordenação. Eu ainda estava no Projeto Favela, a pesquisa já havia sido concluída, fazíamos um trabalho de campo em outras favelas da região, já havíamos replicado a metodologia do Projeto Favela para locais fora da zona onde estávamos trabalhando inicialmente. Além disso, eu não tinha o treinamento em administração, não possuía conhecimentos de nutrição ou educação infantil. Ainda assim, como eu estava junto ao projeto eu aceitei.

Equipe CREN - Fonte: instagram.com/cren.org.br

O trajeto foi de muita humildade, reconhecer a possibilidade de que eu não sabia muitas coisas para buscar ajuda de profissionais da área. Procurei a ajuda de uma nutricionista, também me engajei com uma entidade de ex alunos do MBA da USP que estava iniciando um projeto de consultoria de administração junto a entidades sociais. Logo tive a sorte de ter um docente da USP que se ofereceu como voluntário para estratégias do Centro.

Após a paixão, vem o senso de humildade. Sem ela você não conhece os seus limites e não consegue também conhecer o problema, de forma que você acaba lidando com ele não por aquilo que ele é, mas com a sua imagem dele. Isso se torna uma violência absurda e é aqui que falamos do problema do assistencialismo sob um ponto de vista pejorativo. O assistencialismo é violento porque sou eu quem digo a pessoa que eu chamo de vulnerável quais recursos ela precisa. E não é assim que funciona.

A primeira coisa para enfrentar um problema é reconhecer, antes de olhá-lo, que ele pode ser uma imagem pré-concebida minha. Se eu chego na casa de uma pessoa e digo que a construção não é adequada para moradia e que eu farei essa adequação, apesar de não estar completamente errado, pode ser uma forma violenta de lidar com o problema. O jeito de tratá-lo ele é partir daquilo que se tem.

Havia uma família da época de quando estávamos montando o CREN que era composta por uma mãe, duas crianças de 2 e 4 anos que estavam desnutridas e também outras filhas mais velhas que já eram mães de crianças também desnutridas. Tínhamos então no nosso centro os tios e sobrinhos, todos da mesma idade. Eles estavam todos no Hospital Dia onde as crianças ficam internadas de segunda à sexta durante o dia e oferecemos cinco refeições diárias, tratamento medicamentoso e o acompanhamento de pediatras, nutricionistas e assistentes sociais. Uma dessas crianças tinha 2 anos e meio, era muito pequena e não crescia mesmo com o tratamento. Na terceira vez que o pediatra precisou ministrar um vermífugo decidiu fazer uma visita domiciliar. Lá ele viu que à frente da casa da família o esgoto passava a céu aberto e a criança brincava lá, por isso mesmo com o tratamento a criança se contaminava novamente. Para resolver o problema, o médico sugeriu que fossem colocadas tábuas sobre o local para que não houvesse o contato com o esgoto. Apesar da simplicidade da sugestão, houve um senso valorização muito forte para aquela mãe, que mesmo sem nenhuma observação do médico sobre a casa decidiu reformá-la "para ficar bonita".


O ponto de partida para enfrentar o problema é saber quais recursos que se tem ali, e isso não parte de uma avaliação sua, e sim de um relacionamento com os primeiros interessados que são aquelas que você procura de alguma forma contribuir. Esse relacionamento implica em sentar, conversar, ouvir quais são as visões que elas têm do problema e quais soluções ela considera.

Acesse o site do CREN aqui.

Acesse o Relatório do Catalyst2030 aqui.

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