O ser humano nasce original e criativo por sua própria natureza. Contudo, à medida que cresce, se adapta aos padrões estéticos presentes no ambiente físico, nas esferas sociais e nas circunstâncias da vida diária. Assim, essa influência se solidifica como “realidade” (NACHMANOVITCH, 1993, p. 33). O ser se constrói conforme a experiência estética, educação e formação social em seu amplo sentido, desde a infância até a idade adulta, utilizando-se da percepção, da aprendizagem e expectativas. Neste processo, a criatividade e a originalidade podem ser observadas enquanto comportamentos que podem ser estimulados ou reprimidos pelos mais diversos cenários e possibilidades sociais, ainda que produza objetos sujeitos ao regime estético vigente.
A criatividade, dentre os muitos modos que pode ser observada, duas se destacam quando ela é pensada enquanto um processo mental intuitivo em um sistema de somas sinápticas. A expressão do ser através da criatividade é um movimento que ocorre em um ambiente propício, onde o indivíduo criativo possui suas necessidades básicas atendidas e recebe estímulo do meio em que está inserido. A criação, nesse caso, é muitas vezes ligada à figura da musa, da inspiração, em um ambiente metafísico, de campo subjetivo, podendo estar no campo dos objetos ligados ao regime estético comum. Uma outra maneira de manifestação da criatividade é por meio da necessidade. Nesse caso, não se faz mais necessário (ainda que seja um direito humano) o ambiente que fomente a criatividade e originalidade. O ato de criar se faz por urgência dado as naturezas fisiológicas, biológicas, sociais ou econômicas dos objetos da criação, de campo objetivo, e revela neste caso a essência criadora e original do ser humano.
A distinção entre essas duas formas de percepção da criatividade deve ser observada para que a organização da economia criativa seja compreendida. A participação criativa das classes dominantes na definição do regime estético comum contribuem para a manutenção das disparidades sociais sistêmicas, marginalizando o sensível compreendido por grupos vulneráveis ou expostos socialmente, aos quais cabem, na hierarquia social, a criatividade por necessidade.
Assim, os objetos produzidos pelas classes dominantes na economia criativa já possuem valor enquanto cultura consolidada na história da humanidade. Já os objetos produzidos pelas classes subalternas (XAVIER, 2013) são tomados como de baixo valor. Exemplos dessa relação podem ser observados nas áreas do artesanato e da música. De acordo com a Subsecretaria do Trabalho Artesanal nas Comunidades do Estado de São Paulo (SUTACO), municípios com maior poder econômico, ou orientados pela cultura, estão mais propensos a executarem projetos para resgatar a originalidade na expressão cultural do município. Composições difundidas por grandes corporações de mídias para as massas estabelecem artistas de modo muito mais veloz do que ritmos periféricos.
O funk brasileiro, por exemplo, ainda que tenha grande difusão, é alvo de muito preconceito pela parte intelectual da sociedade tradicional, ditadora do sensível comum. Essa distinção também pode ser encontrada na compreensão da economia criativa pelo norte global e pelo sul global, que enfrentam questões extremamente distintas quando o tópico é sustentabilidade e preenchimento das necessidades básicas humanas.
Ao orientar-se por uma análise aprofundada das múltiplas formas de como a cultura contribui para as dimensões económica, social e ambiental do desenvolvimento, os indicadores do relatório Indicadores Cultura 2030 demonstram o papel transformador da cultura, tornando-a mais visível e tangível. Num contexto em que os dados relacionados com a cultura são fragmentados e provêm de diferentes instituições e agências, a publicação permite recolher dados e destacar as ligações e os nexos entre a cultura e outras áreas políticas. Desta forma, promove-se uma melhor compreensão do alcance das ações culturais e da sua contribuição direta e indireta para o desenvolvimento sustentável.
Dado que o papel, o impacto e a contribuição da cultura nem sempre são facilmente quantificáveis, os indicadores procuram avaliar os comportamentos e ações gerados pela cultura, bem como documentar a forma como os valores culturais se refletem nas políticas, programas e ações.
Compreendendo a ampla atuação e as possibilidades de contribuição do designer, como ressalta Manzini (2015), dentre as quais as descontinuidades sistêmicas locais, a promoção de paradigmas emergentes, a criação de uma cultura de design, a geração de infraestrutura para viabilizar novos ecossistemas, com modelos de negócios pautados no desenvolvimento de comunidades resilientes e conectadas, através de organizações colaborativas, é possível dizer que um dos grandes desafios do design contemporâneo são as metodologias sugeridas para o projeto desenvolvido junto às comunidades, entre a inovação social e as soluções apontadas pela concepção de resolução e sentido propostos pelo design emergente, que pauta o codesign através da coparticipação, gerando novas formas de viver, produzir e pensar, substituindo os paradigmas atuais que apresentam três possíveis armadilhas que remontam às crises múltiplas.
Entre elas, estão: a economia escalonada do “quanto maior, melhor”, a economia global “o vencedor leva tudo”, e as guerras de medo, neotribalismo, hiperindividualismo, globalização e desertificação, em que a construção de uma nova civilização se dá por meio do trabalho participativo. Portanto, para o desvelar dos cenários que proporcionam as crises, metodologias de trabalho com comunidades e recortes específicos, em prol da sustentabilidade, se tornam necessárias para geração de novas formas de trabalho dentro da economia criativa.
Assim, é preciso que haja aproximação do “sistema social” com o “sistema mercadológico” para navegar em fontes que possam ser aplicadas no percurso para o desenvolvimento sustentável, dentro de reflexões críticas relacionadas ao propósito e objetivo das atividades sociais. Um dos caminhos que é observado como oportunidade de trilha é o da inovação, principalmente a inovação social. Antevendo o aprofundamento na diferenciação dessas duas propostas, o conceito de inovação enquanto disruptividade processual para melhor formulação de serviços e artefatos deve ser compreendido.
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