O design do Panorama SAN
- Lucas Melara
- há 4 minutos
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Em fevereiro de 2025, enquanto pesquisadores e jovens das periferias realizavam entrevistas sobre insegurança alimentar na Zona Leste de São Paulo, as chuvas chegaram. Casas alagadas, móveis arrastados e marcas de água nas paredes mudaram o curso do levantamento, mas não pararam o projeto. Pelo contrário: intensificaram o desejo de registrar, com rigor e cuidado, o que estava acontecendo.
O resultado foi o “2º Panorama SAN na Cidade de São Paulo: contribuições do Com Ciência Cidadã para a implementação do VigiSAN”, uma publicação realizada pelo CREN, com apoio do COMUSAN, do ObSANPA e publicada pela LM&Companhia. O livro apresenta dados inéditos sobre segurança alimentar e nutricional no município. Mas ele também carrega outra camada, tão potente quanto os números: a camada gráfica.
A direção de arte partiu da vivência em campo. Para dar corpo ao livro, os títulos, nomes e capítulos foram escritos à mão com tinta feita de café passado dez vezes, misturado à goma arábica e a um bactericida natural. As texturas aplicadas ao longo das páginas foram geradas a partir dos próprios filtros usados na preparação da tinta. O que era cotidiano virou camada gráfica.
Na capa, a gravura de um mangará — o coração da bananeira — faz referência à história de um grupo de agricultoras urbanas de São Miguel Paulista. Em um terreno que era um aterro contaminado, elas plantaram bananeiras até que o solo voltasse a ser fértil. A imagem se tornou símbolo da regeneração possível, mesmo em territórios esquecidos.
Além da composição editorial, o livro ganhou cinco capas diferentes: branca, marrom, azul, verde e laranja. Cada cor representa uma parte do processo vivido: da lama à terra, da terra à colheita.
Mais do que um objeto gráfico, o Panorama SAN é um exercício de escuta e tradução visual. O design editorial não apenas comunica os dados, mas os incorpora. Ao usar materiais do próprio território, a publicação reforça o protagonismo de quem participou da coleta e ajuda a criar pontes entre ciência, política pública e cultura visual.
Esse é o papel do design em projetos como esse: gerar aproximação, registro e mobilização. Em vez de apenas ilustrar uma realidade, o projeto gráfico constrói linguagem junto com ela.