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Universidade do Bem: Gestão em Design, Sustentabilidade e Empreendedorismo


A imagem mostra um computador exibindo o site Universidade do Bem
Visualização 3D do site da Universidade do Bem. Fonte: LM&Companhia

Autores:

Ana Beatriz Pereira de Andrade - ana.b.andrade@unesp.br

Lucas Furio Melara - lucas.melara@unesp.br


Texto original publicado no Congreso de Enseñanza del Diseño em Buenos Aires.


Resumo:

Universidade do Bem é o nome que recebe o projeto de encadeamento produtivo, capacitação empreendedora e formação em criatividade, inovação e design, que surge como agente de inclusão comunitária e social, através da partilha dos conhecimentos presentes no “modelo de mercado”, adequados propriamente ao “modelo social”, entre a UNESP, a Bem Bolado e o Sebrae.


Palavras-chave: Design Contemporâneo; Ensino em Design; Universidades Corporativas; Design Social.


Resumen:

Universidade do Bem es el nombre dado al proyecto de encadenamiento productivo, formación empresarial y formación en creatividad, innovación y diseño, que surge como agente de inclusión comunitaria y social, a través de la compartición de conocimientos presentes en el "modelo de mercado", debidamente adaptados al “modelo social”, entre la UNESP, Bem Bolado y Sebrae.


Palabras llave: Diseño Contemporáneo; Docencia en Diseño; universidades corporativas; Diseño Social.


Introdução

A crise de Covid-19, provocada pelo Coronavírus Sars-Cov-2¹, expôs diversos aspectos dolosos nos sistemas econômicos, sociais e ambientais pautados com os desígnios do Neoliberalismo, como as disparidades raciais, políticas e a influência que o modelo exerce nos setores públicos, privados e não-governamentais, sendo refletido entre estes, e entre a Sociedade Civil Organizada (SCO) e as Universidades. Neste sentido, auxiliado por movimentos e manifestações sociais, a crise de Covid-19 se torna um estopim para que sejam avaliadas as diretrizes de desenvolvimento de projetos na contemporaneidade, em todos os setores da economia, de modo emergencial. Os professores, pesquisadores, discentes, profissionais e técnicos em Design possuem grande importância nas transformações necessárias para uma sociedade equânime pautada pelo Desenvolvimento Social Sustentável. Enquanto líderes no processo de inovação e disseminação de paradigmas emergentes que sigam estas diretrizes, os designers especialistas (Manzini, 2015) podem tomar diversas frentes de trabalho arquetípicas.


Entretanto, uma função imprescindível que estes devem assumir, é a da criação de pontes e estabelecimento de diálogos entre seus conhecimentos tecnológicos, e as tecnologias sociais presentes em comunidades, onde observam-se designers difusos detentores do conjunto de técnicas e metodologias tangíveis e intangíveis neste ambiente. Com o trabalho conjunto entre designers difusos e especialistas, denominam-se os projetos de codesign, desenvolvidos partindo da interação com a população, e apropriadas por ela, que representam soluções, usando das tecnologias como ferramentas necessárias para solucionar problemas sociais.


Nesse contexto, a Universidade do Bem surge como agente de inclusão comunitária, produtiva e social, através da partilha dos conhecimentos presentes no “modelo de mercado”, adequados propriamente ao “modelo social”, adaptando as linguagens distintas entre esses dois modelos a fim de se construir um universo próprio de projeto, incluindo grandes distribuidores, a Bem Bolado enquanto patrocinadora e agente de comunicação, dado o relevante impacto e audiência direta com o recorte, distribuidores regionais de médio porte, líderes comunitários regionais no município e no interior de São Paulo, e também o próprio Sebrae, em âmbito Estadual, oferecendo os programas gratuitos, em compromisso com adequação de linguagens e diretrizes do projeto. Também fizeram-se necessários conhecimentos relacionados ao caráter jurídico da iniciativa, bem como aspectos fiscais especializados no setor de impacto social.


A Lei Rouanet e o PROAC

Uma das grandes perspectivas para o avanço do setor de impacto social são os projetos viabilizados através de iniciativas de incentivo fiscal no âmbito da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), para as empresas declarantes de Lucro Real. Em outros âmbitos, também é possivel se observar a Lei Estadual Paulista de Incentivo a Cultura (PROAC/SP) para as empresas recolhedoras de ICMS, e, especialmente no município de São Paulo, através dos fundos sociais, há a possibilidade de se vincular projetos e empresas através do recolhimento de ISS e, claro, é dada a atenção aos editais nacionais e internacionais para desenvolvimento de projetos que estejam no âmbito ESG – sigla para Environmental, Social and Governance, ou Meio ambiente, Sociedade e Governança em prol da Sustentabilidade, um âmbito de investimentos de corporações para consolidação de compliance para comércio exterior e compensação do impacto negativo gerado por essas corporações, sejam nas esferas estratégicas ambientais e comunitárias, que já corresponde a um mercado de mais de US$ 31 Trilhões. Esses dispositivos fiscais e legais são ferramentas de diversas organizações com foco em projetos sociais, como a Rede Design Possivel e a Ageeo, que se utilizam dos ODS enquanto interface e parâmetros para o desenvolvimento de projetos entre empresas e instituições da Sociedade Civil Organizada, que promovam melhorias em aspectos específicos na cadeia produtiva das empresas patrocinadoras, como questões ligadas à infância, juventude, cultura, esporte, combate ao câncer, empreendedorismo, desenvolvimento local e o cuidado ao idoso.


Programas de formação empreendedora, que promovem desde questões básicas relacionadas à gestão empresarial, como são os programas Empreenda Rápido e Enfrentar, oferecidos gratuitamente pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), levantando os tópicos de educação financeira, marketing, legislações, atendimento ao consumidor e logísticas, considerando o universo dos MEIs e MEs, como a promoção de ambientes de inovação e empreendedorismo, com cursos e capacitações gratuitas, já são uma realidade brasileira. As “universidades” corporativas, que são próprios departamentos de inovação, com iniciativas de ensino técnico e corporativo, como se consolidam a Ambev On, iniciativa em parceria com a POLI/USP, o Santander Universidades, McDonald’s University, Faculdade Unimed, Google University, entre outras, são produtos de empresas, sejam elas públicas ou privadas, primariamente de uso gratuito, cujo objetivo principal se dá na oferta de capacitação aos colaboradores, buscando reduzir custos e obter rapidez na formação de mão de obra estratégica, muitas vezes utilizando-se dos dispositivos de incentivo fiscal previamente abordados. Ainda sim, esses conhecimentos de circulação comum no “modelo de mercado”, são extremamente restritos a uma parcela da população, geralmente concentrada nos espaços onde há a incidência de conglomerados tecnológicos e acúmulo de capital, como por exemplo, no município de São Paulo, as avenidas Paulista, Berrini e Faria Lima, ainda distantes da realidade da periferia.


Além de artefatos, documentos, monumentos e espaços, esta tecnologia propõe a valorização das pessoas, promovendo a democratização da produção do conhecimento em nossa sociedade, fazendo com que a produção de novas histórias permita repensar e reordenar padrões sociais assumidos como absolutos. Um projeto de memória pode ainda colaborar para o enfrentamento de desafios sociais específicos, especialmente na área de Educação, Comunicação e Desenvolvimento Comunitário. Utilizando-se de entrevistas, a Tecnologia Social da Memória inclui três etapas fundamentais: a construção, organização e socialização das histórias, em dimensões distintas, iniciando-se com a contação, organização e socialização individual, assim relaciona-se com outras do grupo para a composição da história do coletivo. E esta história, por sua vez, se entrelaça com uma rede mais ampla de histórias dos indivíduos e grupos que compõem a sociedade contemporânea.


Desenvolvimento

A importância de identificar os atores dentro da atividade de projeto, suas características, comportamentos, relações e lideranças locais no papel comunitário se dá ao definir as trocas e formas de relacionamento entre os indivíduos de determinada rede, sendo este o cerne para o desenvolvimento de qualquer projeto, em que somente com a inclusão democratizada e horizontal de todos os membros, há um ambiente em que a definição de um objetivo único, muitas vezes denominado como sonho comum, se faz possível, sendo esta etapa também crucial para o sucesso e a sustentabilidade de um projeto, independentemente de a comunidade ser socialmente exposta ou não.


A empatia e a visão isenta de preconcepções, são comportamentos desejáveis, avaliando a proposta de Margolin e Margolin (2004) de aproximação da atividade de projeto com os campos da psicologia ambiental, social e assistência social, considerada de grande valor para a introdução do designer no coletivo. Essa proposta é marcada por etapas claras, para que não haja o chamado “recorte”, ato este que indica a interferência superficial no sistema comunitário


Para verificar a viabilidade do projeto, dividiu-se o projeto entre o ciclo de capacitações em sí, doravante denominado como Ubem, destacando-o do Pré-Projeto, sendo as etapas correspondentes a este último dirigidas para pesquisa de campo, construção de ementa preliminar, formação de parcerias e, na parte de governança, a avaliação de caminhos fiscais, redação, produção de planilhas para captação de recursos e busca de editais. A condução do Pré-Projeto se deu pela equipe previamente apontada pela gestão da Ubem, constituída pela LM&Companhia, Bem Bolado e parceiros em rede, para visitação, entrevistas e avaliações, como também sendo objeto de Trabalho de Conclusão do Curso de Bacharelado em Design da FAAC/UNESP, pautando aspectos da gestão em design.


Os resultados preliminares das pesquisas de campo, semiestruturadas, de carater qualitativo e quantitativo, com grupo de 291 pessoas, apontaram dificuldades reconhecidas como ordinárias, no âmbito dos profissionais autônomos e MEIs, revelando a necessidade de trabalhar questões como formalização, recolhimento de impostos, possibilidades de segurança promovidos pelo INSS, educação financeira, marketing e legislações. No entanto, um dos aspectos revelados pela pesquisa, em entrevistas, é a irrelevância de certas preocupações formais com o negócio, muitas vezes já visto como “temporal” ou “sazonal”, por muitas vezes estarem vinculados com questões ilegais, revelando um dos pontos iniciais do novelo sistêmico a ser abordado. Essa questão de temporalidade, revela, ainda em entrevistas, questões como a baixa espectativa de vida vivenciada pelas juventudes, especialmente as vidas negras, na periferia.


Essa análise prévia revelou a razão de diversos projetos com foco em educação empreendedora, como os do Sebrae, mencionados acima, com algumas populações específicas, ainda que atuem em questões específicas, não diretamente relacionadas aos problemas sistêmicos. Portanto, para que o desenvolvimento do projeto tenha sucesso em sua proposta, a co-criação da ementa do ciclo de capacitação, com nomes de conteúdos, abordagens e objetivos foram frutos de participação comunitária, bem como com a presença de pessoas simbólicas ao público, que puderam servir de espelho, despertando pertinência e pertencimento, como rappers conhecidos, atuando como catalizadores para o chamamento ao programa e manutenção da adesão dos participantes.


A programação desenvolvida busca responder aos desafios mencionados em pesquisa, bem como atender métodos de desenvolvimento de empresas, como o Modelo de Negócio (Canvas), aspectos criativos, desde vitrinismo, produção para redes sociais e técnicas de vendas, e, especialmente, o uso da criatividade audiovisual e organizacional. O conteúdo é distribuído em um modelo que consiste em um evento geral de chamamento, ciclos básicos com os programas do Sebrae, e encontros online para as aulas seguintes, com duração total de 120 dias, conferindo certificados através de avaliações periódicas. O modelo online se dá devido a pandemia, porém foi um componente importante para o alcance do projeto, que, com o apoio de organizações, tomou aspecto estadual. Cientes da disparidade no acesso às redes, o Sebrae disponibilizou seus escritórios regionais e unidades dos pontos de atendimento Sebrae Aqui para o acesso dos participantes em seus dispositivos e facilidades.


Ainda em Pré-Projeto, a validação do seu modelo de execução se dá no mapeamento e adesão de 256 empreendedores em poucos meses de trabalho de campo, entre agosto e setembro de 2021. O foco, portanto, se dá, na preparação do projeto para receber incentivo cultural, já tendo patrocinador definido, para realização, bem como no desenvolvimento de sistemas gamificados, com benefícios, para manter a adesão ao longo do decorrer do projeto, e nas formalizações de parcerias para ampliar o alcance da atividade.


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[1] Professora Assistente Doutora do Departamento de Design, FAAC/UNESP, anabiaandrade@openlink.com.br

[2] Mestre, PPG Design FAAC/UNESP, lucas.melara@unesp.br


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