2º Panorama SAN na Cidade de São Paulo: Contribuições do Design Editorial para o combate à fome
- Lucas Melara
- 28 de mai.
- 5 min de leitura

O dia 29/05/2025 marca o lançamento do “2º Panorama SAN na Cidade de São Paulo”, uma publicação que reúne os dados e as metodologias desenvolvidas pelo projeto Com Ciência Cidadã. Mais do que apresentar resultados, o livro registra uma experiência de construção coletiva para fortalecer o direito à alimentação com base na realidade dos territórios.
Organizado pelo CREN, com apoio do COMUSAN, do ObSANPA e da Faculdade de Saúde Pública da USP, o livro apresenta uma combinação de conteúdo técnico e linguagem visual. O material foi construído com dados levantados por jovens moradores da Zona Leste em parceria com nutricionistas, pesquisadores e gestores públicos. As entrevistas foram realizadas casa por casa, mesmo após as enchentes que atingiram diretamente as comunidades em fevereiro de 2025.
A publicação traz mapas de insegurança alimentar, fluxogramas de decisão, protocolos de monitoramento, matrizes conceituais e propostas operacionais para a formulação do VigiSAN — o sistema municipal de vigilância em segurança alimentar e nutricional de São Paulo. Cada capítulo articula teoria, prática e participação social.
O livro também documenta oficinas de formação, ações públicas realizadas no território e as metodologias de ciência cidadã e co-design que guiaram o processo. Toda essa construção foi traduzida graficamente com um projeto editorial que reforça a conexão entre forma e conteúdo.
Os títulos foram escritos à mão com tinta artesanal feita a partir de café coado, os fundos gráficos foram criados com filtros usados, e a capa recebeu gravuras produzidas com mangará — o coração da bananeira. A referência vem do trabalho do Grupo de Agricultoras Urbanas de São Miguel Paulista, que regenerou um solo contaminado a partir do plantio de bananeiras. Essa história também integra o livro.
A publicação foi impressa com cinco capas diferentes: branca, marrom, azul, verde e laranja. Cada cor representa uma camada do processo — da lama à horta, do dado à política pública.

O Panorama SAN é, ao mesmo tempo, ferramenta de consulta, material técnico e objeto editorial. Foi pensado para gestores, pesquisadores, conselheiros e cidadãos que desejam enfrentar a insegurança alimentar com base em dados confiáveis, participação real e escuta ao território.
Em São Paulo, 5,8 milhões de pessoas vivem algum grau de insegurança alimentar. Desses, 1,4 milhão enfrentam fome grave. Esses números revelam uma urgência, mas ainda deixam perguntas abertas: em quais bairros a fome é mais intensa? Quem são os grupos mais afetados? Que políticas públicas podem responder a essas desigualdades?
Foi para aprofundar essas respostas que nasceu o projeto Com Ciência Cidadã, desenvolvido pelo CREN – Centro de Recuperação e Educação Nutricional, com apoio do COMUSAN, do ObSANPA e da Faculdade de Saúde Pública da USP. A iniciativa articulou formação, pesquisa de campo e escuta ativa para construir, com base no território, o VigiSAN – Sistema Municipal de Vigilância em Segurança Alimentar e Nutricional.
Ao longo de cinco meses, jovens da Zona Leste participaram de oficinas, cursos e saídas de campo. Atuaram como cientistas cidadãos, aplicando ferramentas reconhecidas como a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) e o SISVAN, adaptadas à realidade das comunidades onde vivem. Em parceria com gestores públicos, nutricionistas, conselheiros e pesquisadores, participaram da coleta e da análise de dados que hoje ajudam a traçar um panorama preciso da fome na cidade.
As entrevistas aconteceram de forma direta, casa por casa. Em fevereiro de 2025, durante o período das coletas, fortes enchentes atingiram os territórios envolvidos. Ainda assim, os participantes seguiram comprometidos com a construção de um retrato completo da situação alimentar local.
A partir desses dados, o grupo construiu fluxogramas de tomada de decisão, mapas de risco, protocolos de monitoramento e propostas de ação para a gestão pública. O processo inteiro foi orientado por metodologias de co-design e ciência cidadã, que valorizam o saber local e promovem a participação social como parte da política pública.
O “2º Panorama SAN na Cidade de São Paulo” é o resultado desse processo. A publicação sistematiza os dados levantados, apresenta metodologias aplicadas e consolida uma proposta concreta de estruturação do VigiSAN. É, ao mesmo tempo, um documento técnico, um registro territorial e um convite à replicação.
A experiência de São Paulo mostra que é possível construir políticas públicas a partir da escuta direta da população. O caminho seguido pelo projeto combina rigor metodológico, articulação institucional e compromisso com o direito à alimentação. Um modelo de construção coletiva com potencial de inspirar outras cidades.
Em fevereiro de 2025, enquanto pesquisadores e jovens das periferias realizavam entrevistas sobre insegurança alimentar na Zona Leste de São Paulo, as chuvas chegaram. Casas alagadas, móveis arrastados e marcas de água nas paredes mudaram o curso do levantamento, mas não pararam o projeto. Pelo contrário: intensificaram o desejo de registrar, com rigor e cuidado, o que estava acontecendo.
O resultado foi o “2º Panorama SAN na Cidade de São Paulo: contribuições do Com Ciência Cidadã para a implementação do VigiSAN”, uma publicação realizada pelo CREN, com apoio do COMUSAN, do ObSANPA e publicada pela LM&Companhia. O livro apresenta dados inéditos sobre segurança alimentar e nutricional no município. Mas ele também carrega outra camada, tão potente quanto os números: a camada gráfica.
A direção de arte partiu da vivência em campo. Para dar corpo ao livro, os títulos, nomes e capítulos foram escritos à mão com tinta feita de café passado dez vezes, misturado à goma arábica e a um bactericida natural. As texturas aplicadas ao longo das páginas foram geradas a partir dos próprios filtros usados na preparação da tinta. O que era cotidiano virou camada gráfica.
Na capa, a gravura de um mangará — o coração da bananeira — faz referência à história de um grupo de agricultoras urbanas de São Miguel Paulista. Em um terreno que era um aterro contaminado, elas plantaram bananeiras até que o solo voltasse a ser fértil. A imagem se tornou símbolo da regeneração possível, mesmo em territórios esquecidos.
Além da composição editorial, o livro ganhou cinco capas diferentes: branca, marrom, azul, verde e laranja. Cada cor representa uma parte do processo vivido: da lama à terra, da terra à colheita.
Mais do que um objeto gráfico, o Panorama SAN é um exercício de escuta e tradução visual. O design editorial não apenas comunica os dados, mas os incorpora. Ao usar materiais do próprio território, a publicação reforça o protagonismo de quem participou da coleta e ajuda a criar pontes entre ciência, política pública e cultura visual.
Esse é o papel do design em projetos como esse: gerar aproximação, registro e mobilização. Em vez de apenas ilustrar uma realidade, o projeto gráfico constrói linguagem junto com ela.