Autores: Lucas Fúrio Melara e Ana Beatriz Pereira de Andrade
Resumo:
O presente texto tem como objetivo divulgar uma experiência multidisciplinar que envolveu grupos de estudantes de design da FAAC/Unesp Bauru e de medicina da FMB/Unesp Botucatu unidos pelo propósito de fortalecer a Lei Lucas, por meio de um plano de comunicação integrado entre plataformas digitais e ambientes físicos, visando a redução de óbitos infantis pela falta de socorristas para lidarem com afogamentos, engasgos, envenenamentos e outros fatores comuns previstos pela Lei Federal nº 13.722, promovendo capacitações e treinamentos gratuitos.
Palavras chave: Comunicação; Design Social; Divulgação Científica; Estratégia; Saúde.
1. O designer como agente de transformação social
A necessidade do designer atuar como agente de transformação social tem se tornado cada vez mais evidente na contemporaneidade. Esse papel abrange a consideração da sustentabilidade, inovação social e projetos participativos, como também a responsabilidade de oferecer propostas e soluções concretas para as demandas sociais emergentes.
Os projetos desenvolvidos no âmbito social ultrapassam as fronteiras da comunicação, informação ou criação de artefatos estéticamente agradáveis. Eles se concentram na busca por soluções concretas para demandas sociais, abordando questões que vão desde desigualdade e inclusão à preservação ambiental. Neste sentido, o design social contemporâneo é uma resposta dinâmica às complexidades e desafios da sociedade moderna.
A discussão sobre o papel do designer no contexto social tem suas raízes na segunda metade do século XX, quando Victor Papanek, em 1973, iniciou um debate pioneiro sobre a corresponsabilidade do designer no desenvolvimento da sociedade. Papanek destacou a necessidade de os designers considerarem o impacto social de seus projetos e propôs uma abordagem ética e responsável para a profissão. Em ressonância, na contemporaneidade, essas questões ganham ainda mais relevância. A Agenda Social do Design surge como uma estrutura que pode orientar os designers em sua busca por contribuir positivamente para as transformações sociais. Essa agenda envolve a consideração cuidadosa dos impactos sociais, econômicos e ambientais de cada projeto.
A discussão sobre o aspecto social do design ocorre em diversos cenários, sendo as organizações sociais e as universidades consideradas especialmente propícias para tais debates. Esses ambientes proporcionam um espaço vital para a reflexão, conscientização e troca de ideias entre profissionais do design, estudantes e acadêmicos. Neste universo, considerando a construção de políticas públicas que abracem as demandas sociais, o planejamento participativo em projetos de design é necessário, considerando-o como uma abordagem que envolve a inclusão ativa de diversos atores no processo de tomada de decisões, especialmente no desenvolvimento de planos, políticas, programas ou projetos.
Ao contrário de abordagens mais tradicionais, em que as decisões são tomadas de forma centralizada por uma única autoridade ou grupo restrito, o planejamento participativo busca envolver as pessoas impactadas ou interessadas no processo decisório. Um dos exemplos no campo da legislação, sobre políticas públicas nascidas por atores diretamente impactados por questões sociais, de planejamento e de saúde, é a Lei Lucas.
2. Uma tragédia evitável: o surgimento da Lei Lucas
A Lei Lucas, oficialmente conhecida como Lei nº 13.722/18, é uma legislação brasileira que foi promulgada em 4 de outubro de 2018. Seu nome homenageia Lucas Begalli, uma criança de 10 anos que perdeu a vida devido a um incidente trágico durante um passeio escolar em 2017. Lucas faleceu após engasgar-se com um pedaço de salsicha durante um lanche durante o passeio escolar. A tragédia poderia ter sido evitada se medidas de primeiros socorros tivessem sido aplicadas imediatamente. A mãe de Lucas, Alessandra Begalli, motivada pela perda irreparável de seu filho único, dedicou-se a transformar essa dor em uma causa maior. Através de uma campanha e mobilização nas redes sociais, ela buscou conscientizar a sociedade sobre a importância da capacitação em primeiros socorros nas escolas.
Deste modo, a Lei Lucas tem como objetivo central tornar obrigatória a capacitação em primeiros socorros para professores e funcionários de instituições de ensino infantil e básico, sejam elas públicas ou privadas. Essa medida, se de fato implementada, cria um ambiente escolar mais seguro, onde profissionais capacitados possam agir de forma eficaz em situações de emergência, especialmente aquelas relacionadas à saúde dos alunos.
Além disso, a legislação determina que os cursos de primeiros socorros devem ser ministrados a cada dois anos, garantindo a atualização constante dos conhecimentos dos educadores. O não cumprimento dessas diretrizes pode acarretar penalidades, desde notificações de descumprimento até multas e, em casos extremos, a cassação do alvará ou responsabilização patrimonial.
A Lei Lucas é de suma importância na promoção da segurança escolar, proporcionando não apenas a capacitação técnica, mas também a conscientização sobre a necessidade de ações rápidas e adequadas em situações de emergência. Ao garantir que os profissionais da educação estejam preparados para lidar com incidentes como engasgos, quedas, crises convulsivas e outros eventos imprevistos, a legislação contribui diretamente para a preservação da vida e o bem-estar dos estudantes.
No entanto, independente de se tornar uma lei que deve ser observada e implantada com urgência, poucos estabelecimentos em que ela se torna obrigatória cumprem o regulamento, fazendo assim necessárias estratégias de comunicação para conscientizar esses espaços, tornando-os finalmente seguros para crianças e adolescentes com relação aos primeiros socorros. Assim, a importância da disseminação do conhecimento científico desempenha um papel fundamental na construção de uma comunidade preparada para lidar com estes casos, por meio da participação e da informação.
3. A importância da divulgação científica
No caso da Lei Lucas, a divulgação científica refere-se ao processo de compartilhar de maneira acessível e compreensível os avanços e descobertas científicas com o público em geral. A divulgação científica envolve a transformação de conceitos e informações complexas, originalmente destinadas a especialistas, em conteúdo acessível a pessoas com diferentes níveis de familiaridade com o campo científico.
Assim, o propósito deste campo é criar uma ponte entre o mundo acadêmico e a sociedade em geral, permitindo que o conhecimento científico seja compreendido e apreciado por um público mais amplo. Os chamados divulgadores da ciência, como cientistas, jornalistas e comunicadores em geral, têm a responsabilidade de traduzir a linguagem científica para uma linguagem acessível. Essa tarefa exige habilidades técnicas e uma compreensão profunda do conteúdo científico para garantir que a essência das descobertas não seja perdida na tradução.
Por meio da divulgação científica, os divulgadores assumem um papel de mediadores entre a comunidade científica e o público, fortalecendo este papel crucial na interpretação e contextualização das descobertas científicas, bem como das leis federais, estaduais e municipais que objetivam o bem comum, facilitando a compreensão de sua relevância para a sociedade.
Compreendendo então o objetivo da divulgação científica acerca da importância da Lei Lucas em ambientes públicos e privados, a Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp procurou o Laboratório de Design Solidário - LabSol (FAAC/Unesp Bauru) e a LM & Companhia, agência de design para o impacto social e sustentável, para a formação de um coletivo de trabalho em prol da regularização dos estabelecimentos de modo urgente, com foco na realização das capacitações gratuitas para trabalhadores, especialmente de escolas públicas do município de Botucatu.
4. Formando um coletivo: parcerias públicas e privadas
O Labsol, ou Laboratório de Design Solidário, é um projeto de extensão vinculado ao Departamento de Design da UNESP de Bauru. O laboratório se dedica ao desenvolvimento de atividades que envolvem três conceitos fundamentais: sustentabilidade, economia solidária e impacto socioambiental. O seu foco principal está na inclusão da comunidade, estabelecendo parcerias com cooperativas, incubadoras e grupos artesanais.
A proposta do Labsol é atuar em conjunto com a comunidade, promovendo a troca de experiências e conhecimento, associando a produção artesanal com a preservação do patrimônio histórico-cultural local.
O Labsol já colaborou com diversos grupos, utilizando o design como uma ferramenta para impulsionar a sabedoria popular. Durante essas colaborações, o laboratório desenvolveu objetos e campanhas totalmente sustentáveis, buscando alinhar a inovação do design com os princípios da economia solidária e da preservação ambiental. Um aspecto importante é que o conhecimento gerado em cada projeto do Labsol é convertido em materiais acadêmicos de qualidade, preenchendo uma lacuna em termos de fontes de pesquisa na área de design com enfoque sustentável no Brasil. Portanto, o Labsol impacta positivamente a comunidade local, contribuindo para o avanço do conhecimento científico e prático nesse campo.
Já a LM & Companhia é uma agência idealizada ainda no curso de Design da Unesp, e que hoje, com 6 anos de existência, atua com branding, web design e projetos culturais para a promoção da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, reunindo diversos casos conectados à divulgação e letramento científico de pautas de urgente importância para a sociedade civil. A empresa, liderada por Lucas Melara, foi a articuladora convidada para liderar o grupo ao lado das coordenações da Profª. Drª. Joelma Gonçalves Martin, da FMB/Unesp, e a Profª. Drª. Ana Beatriz Pereira de Andrade, da FAAC/Unesp, sob a supervisão do Prof. Dr. Newton Key Hokama. Assim, junto aos alunos de medicina participantes do projeto de extensão ligado à Lei Lucas, alunos do LabSol e alunos voluntários, o coletivo se formou para atender a comunicação da Lei a fim de trazer pessoas para participarem das capacitações gratuitas oferecidas.
5. Desenvolvimento: a Lei Lucas encontra-se com o Design
Durante os meses de Agosto e Dezembro de 2023, o coletivo dedicou-se à produzir a identidade visual para a comunicação do projeto, composta por logotipo com versões horizontal, vertical, colorida, preta e branca e escala de cinza, pela tipografia renomada do ilustrador brasileiro Ziraldo, outorgada pelo Instituto Ziraldo no Rio de Janeiro e o estabelecimento de cores-chave para a construção das peças de comunicação. Também definiu-se a linguagem utilizada para os materiais, orientada pela ilustração digital de personagens em cenas úteis para os primeiros socorros.
Os materiais gerados foram o manual de identidade visual, 36 publicações para as redes sociais, broches, certificados, comprovantes de regularidade, camiseta, uma cartilha editorial de guia para os primeiros socorros em diversos tipos de acontecimentos para a não ocorrência de fatalidades e uma história em quadrinhos para divulgação. O projeto, ainda nos períodos de desenvolvimento, foi abraçado pelo município de Botucatu, tornando-se parceiro das Secretarias de Saúde, Educação e Comunicação da Prefeitura, ofertando um conhecimento e capacitação contrapostos aos similares existentes, no entanto particulares e cobrados, sendo este um serviço gratuito oferecido pela universidade e pelo município em conjunto, reforçando o papel social das instituições de ensino superior no país, totalizando 850 pessoas capacitadas em primeiros socorros.
O reconhecimento do Instituto Ziraldo ao projeto também reforça o trabalho que continuará com outros desdobramentos, construindo uma trilha para se tornar referência nacional na atuação pela Lei Lucas.
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